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Um AMOR improvável… – Luis Sepúlveda

(Este artigo foi escrito por mim para a OBVIOUS – Luis Sepúlveda. Para ver clicar AQUI)

 

– Promete-me que não comes o ovo – grasnou ela abrindo os olhos.

– Prometo que não te como o ovo – repetiu Zorbas.

– Promete-me que cuidas dele até que nasça a gaivotinha.

– Prometo que cuido do ovo até nascer a gaivotinha.

– E promete-me que a ensinas a voar – grasnou ela fitando o gato nos olhos.

Então Zorbas achou que aquela infeliz gaivota não só estava a delirar, como estava completamente louca.

– Prometo ensiná-la a voar. E agora descansa, que vou em busca de auxílio – miou Zorbas trepando de um salto para o telhado.

Kengah olhou para o céu, agradeceu a todos os bons ventos que a haviam acompanhado e, justamente ao exalar o último suspiro, um ovito branco com pintinhas azuis rolou junto do seu corpo impregnado de petróleo.

 

Colonello possuía um curioso talento para aconselhar os que se encontravam em dificuldades e, embora nunca solucionasse qualquer conflito, os seus conselhos pelo menos reconfortavam. Por ser velho e talentoso, Colonello era uma autoridade de todo o tamanho entre os gatos do porto.

 

– Disso nem miar! O Zorbas prometeu a essa pobre gaivota que cuidaria do ovo e da gaivotinha. Uma promessa de honra contraída por um gato do porto obriga todos os gatos do porto, e por isso o ovo diz-nos respeito – declarou solenemente Colonello.

– Mas eu não sei tratar de um ovo! Até agora nunca tive um ovo ao meu cuidado! – miou Zorbas desesperado.

Então todos os gatos olharam para Sabetudo. Talvez na sua famosa en-ci-clo-pé-di-a houvesse qualquer coisa a esse respeito.

 

Mas uma promessa é uma promessa e, assim, aquecido pelos raios de sol, foi-se deixando adormecer com o ovo branco com pintinhas azuis muito chegado à sua barriga preta.

– … promessas difíceis de cumprir – continuou, impassível, Colonello – mas sabemos que um gato do porto cumpre sempre os seus miados.

Leonor Reis, Marca Pessoal, Personal Brand, Branding Pessoal, Personal Branding, História de uma gaivota e do gato que a ensinou a voar, Luis Sepúlveda

Muitos dias passou o gato grande, preto e gordo deitado junto do ovo, protegendo-o, aproximando-o de si muito suavemente com as suas patas peludas de cada vez que um movimento involuntário do corpo o afastava alguns centímetros.

Ao entardecer do dia número vinte Zorbas dormitava, e por isso não percebeu que o ovo se movia, como se quisesse pôr-se a rolar pelo chão.

Acordou com umas cócegas na barriga. Abriu os olhos e não pôde deixar de dar um salto quando viu que, por uma greta do ovo, aparecia e desaparecia uma pontinha amarela.

 

-Mamã! – grasnou a gaivotinha.

Zorbas não foi capaz de responder. Sabia que a cor da sua pele era preta, mas achou que a emoção e o rubor que o invadiam o transformavam num gato lilás.

– Mamã! Chamou-te mamã! Que terrivelmente terno! – Conseguiu Sabetudo exclamar, antes de o olhar de Zorbas o aconselhar a calar a boca.

 

Todos estiveram de acordo com o nome proposto por Colonello. Então os cinco gatos formaram um círculo em redor da pequena gaivota, levantaram-se sobre as patas traseiras e, esticando as dianteiras até a deixarem sob um teto de garras, miaram o ritual do batismo dos gatos do porto.

– Nós te saudamos, Ditosa, amiga dos gatos!

– Ahoi! Ahoi! Ahoi! – exclamou, feliz, Barlavento.

 

– Queremos-te gaivota. Sentimos que também gostas de nós, que somos teus amigos, a tua família, e é bom que saibas que contigo aprendemos uma coisa que nos enche de orgulho: aprendemos a apreciar, a respeitar e a gostar de um ser diferente. É muito fácil aceitar e gostar dos que são iguais a nós, mas fazê-lo com alguém diferente é muito difícil, e tu ajudaste-nos a consegui-lo. És uma gaivota e tens de seguir o teu destino de gaivota. Tens de voar. Quando o conseguires, Ditosa, garanto-te que serás feliz, e então os teus sentimentos para connosco e os nossos para contigo serão mais intensos e belos, porque será a amizade entre seres totalmente diferentes.

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– Tenho medo de voar – grasnou Ditosa endireitando-se.

– Quando isso acontecer eu estarei contigo – miou Zorbas lambendo-lhe a cabeça. – Prometi isso à tua mãe.

 

Os gatos miaram a sua alegria e meteram logo patas à obra. Haviam esperado longamente por aquele momento. Com toda a paciência que caracteriza os gatos, tinham esperado que a jovem gaivota lhes comunicasse os seus desejos de voar, porque uma ancestral sabedoria os levava a compreender que voar é uma decisão muito pessoal.

 

– Vais voar, Ditosa. Respira. Sente a chuva. É água. Na tua vida terás muitos motivos para ser feliz, um deles chama-se água, outro chama-se vento, outro chama-se sol e chega sempre como recompensa depois da chuva. Abre as asas – miou Zorbas.

– A chuva, a água. Gosto! – grasnou.

– Vais voar – miou Zorbas.

– Gosto de ti – Granou ela aproximando-se do varandim.

– Vais voar. Todo o céu será teu – miou Zorbas.

– Nunca te esquecerei.

– Voa! – miou Zorbas estendendo uma pata e tocando-lhe ao de leve.

– Estou a voar! Zorbas! Sei voar! – grasnava ela, eufórica, lá da vastidão do céu cinzento.

– À beira do vazio compreendeu o mais importante – miou Zorbas para si.

– Que só voa quem se atreve a fazê-lo – concluiu Zorbas

 

Zorbas permaneceu ali a contemplá-la, até que não soube se foram as gotas de chuva ou as lágrimas que lhe embaciaram os olhos amarelos de gato grande, preto e gordo, de gato bom, de gato nobre, de gato de porto.

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Muito poderia escrever e explorar sobre estes pequenos trechos de texto que compõem uma história, uma parábola em jeito de fábula para o pequenino e para o grandito. Contudo, a mensagem está lá e é clara… Bússolas que nunca perderam o norte?! (Não!… ninguém é perfeito. Ninguém!)

Promessas cumpridas, simplicidade, união e a superação de dificuldades, sábios sem respostas às questões básicas da vida, códigos de honra, pilares, respeito pelas diferenças, felicidade com a vitória do outro, AMOR… E tanto mais se se quiser “escutar”.

A “História de uma gaivota e do gato que a ensinou a voar”, um livro de Luis Sepúlveda.

Hoje fico-me por aqui.

Obrigada!

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